5.4.07

Sobre as palavras e os sons


Cristiana Simon

Gosto de português. Talvez por ter tido a sorte de aprender com bons professores desde as séries iniciais, talvez porque minha mãe sempre incentivou a leitura. A justificativa não importa. O que importa é que tenho gosto pelas palavras, e por isso não foi nenhuma novidade para meus pais quando decidi cursar algo na área da comunicação.

E o gosto pelas palavras vai além da vontade de construir frases. O interessante é desenhá-las. Acho algumas palavras realmente bonitas, gostosas de falar. Algumas carregam um sentido certeiro e representam tão bem a coisa a que dão nome, que formam uma dupla perfeita. “Camomila”, por exemplo. Parece nome, comentei com um amigo outro dia. É delicado e prazeroso de dizer. Os lábios se juntam duas vezes para pronunciá-la. Por isso o nome “Camila” é delicado. Lembra camomila. E a flor de camomila é delicada.

Achei mágico quando, no filme “A Máquina”, de João Falcão, o personagem interpretado por Paulo Autran conta como surgiram as palavras. Ele inverte a ordem natural do pensamento. Diz que, antes de tudo, Deus criou as letras, depois as palavras. Mas achou que ainda não era o bastante. Então pensou e chegou à conclusão de que as palavras deveriam ter significados. Eram bonitas, mas não estavam completas. Elas deveriam definir algo. Então, para cada uma das palavras, Ele foi criando um objeto ou algo a que elas dariam nome, e assim surgiu a comunicação verbal.

Vício é uma palavra bonita também. Não levo em conta o significado dela. Considero a facilidade de falar, o som aberto dos “is” e a força do “c”. “Octopus”, embora não seja da língua portuguesa, é uma palavra confortável. Parece que a gente enche a boca para falar e deixa o som macio. Morango, almofada, maionese, pão, zíper. Uma observação, por sinal: a maioria das palavras gostosas de falar tem a letra “m” no meio. Lembrei-me agora de que a Macabéa de Clarice Lispector adorava soletrar a palavra datilógrafa. Da-ti-ló-gra-fa.

Falando em palavras feias, posso citar caminhão, caneta (tem sons monótonos), rua. Asa, então, nem se fala, acho horrível. Remete a frieza e falta de conteúdo. Não me pergunte por quê. É a sensação que eu tenho.

Acho que minha atração pelo movimento concretista deve estar aí. Os poetas viam um desenho. Preocupavam-se com forma e conteúdo, com a sonoridade dos textos. A construção deveria cativar também e prender a atenção. Escrever poemas era uma forma de montar formas e dar identidade visual àquilo que as pessoas liam. E eu prefiro ver um texto como um desenho bem torneado a vê-lo como um saco de palavras jogadas.

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