6.4.07

Síndrome do pânico porto-alegrense


Flávio Aguilar

Cheguei em casa cansado, muito cansado. Dia cheio. Sensação de ter esquecido algo no serviço, um pulmão talvez. Água no rosto, esfrega, esfrega, água gelada, quase acabando, mão no pescoço... opa. Sinto, com estranheza, a forte saliência atrás da minha orelha; aliso assustado, a imensa bola firme que se precipita na minha cabeça.

O medo da morte não me aparece em qualquer momento do dia. A síndrome do pânico é exercício pontual no elevador que se aproxima do vigésimo andar, no ônibus que desce inconseqüente o viaduto da Conceição, no sujeito mal-encarado que caminha ao meu encontro na Gel. Vitorino, meia-noite e meia, centro repentinamente deserto. Quem mora, trabalha ou estuda no centro de Porto Alegre está acostumado com o estado de alerta, com a sensação de torpor nesse formigueiro humano. Eu, que trabalho, estudo e moro no centro, já nem sinto mais. Sou uma formiga. A vida não parece tão humana assim como uma doença dolorosa, um caroço na cabeça. Passar a mão ali, agora, é perceber de repente que estou vivo, e a morte talvez não seja tão banal quanto um atropelamento de ônibus.

Nessas horas, sempre se pensa no pior. É um tumor. É um câncer. Eu no caixão. Sobe aquela água nos olhos e dá um tremelico. E se for? A minha mente é perversa demais, fantasia tudo. De repente vem a imagem de todo o meu pequeno futuro de sofrimento e angústia. E sinto todo o sofrimento e angústia do meu pequeno futuro, tudo junto, agora, sentado no fundo do ônibus Santana, em direção ao HPS. Todas as outras pessoas que ali estão não existem nesse inacabável instante.

Acho que nunca havia ido ao HPS sozinho. Nem sabia como agir, com quem falar, o que fazer. Passada toda a burocracia, entendi o que era aquilo tudo da TV; eu, uma hora na fila esperando atendimento. Na mesma sala de espera, gente quase desmaiada, outros chorando o familiar que agonizava na sala de emergência. Entram e saem médicos empurrando agilmente cadeiras de rodas e camas, nem olham para mim. Comecei a sentir um novo medo, um dos piores medos, o medo de estar passando por idiota.

Esses medos da pamonhice são, invariavelmente, os que se confirmam mais lúcidos. Apenas um cisto sebáceo na região retroauricular, em processo de infecção. Não morrerei disso ainda este mês. Um pequeno processo cirúrgico. Eu tenho medo de cirurgia. Minha pequena síndrome do pânico ataca outra vez. Ainda espero o acaso da morte inumana e com sua fraca possibilidade me conforto. Até esmagarem o formigueiro.

Nenhum comentário: