5.4.07

Mais interessante que a realidade


Julia Dantas

Alguns teóricos da literatura dizem que a ficção tem obrigação de ser mais verossímil que a realidade. A vida real é repleta de fatos aleatórios e sem significado maior, enquanto uma narrativa fictícia, dizem, deve manter a coerência dentro de seu próprio universo para ganhar a credibilidade do leitor-espectador. Mas, se tem a obrigação de ser verossímil, a ficção pode se dar ao luxo de ser impossível. É desta premissa que faz uso o filme "Mais Estranho que a Ficção", de Marc Forster, ao contar a história de um homem que subitamente ouve sua vida ser narrada por uma voz feminina dentro de sua própria cabeça.

Harold Crick (Will Ferrell) é um homem para quem “metódico” seria um adjetivo brando. Obcecado por números, o auditor da Receita Federal conta as escovadas em cada dente, os passos até a parada de ônibus, os minutos do almoço. Acontece que em um dia qualquer se dá o impossível ponto de partida da história. Harold Crick começa a ouvir a voz da escritora Karen Eiffel (Emma Thompson) enquanto ela escreve um livro sobre... Harold Crick.

Nosso herói, pacato e assustado como um anti-herói, começa uma busca desesperada por Karen após ouvi-la dizer que a história o encaminhava para sua morte iminente. Na procura por sua autora, o personagem encontra o professor de literatura Jules Hilbert (Dustin Hoffman), um sujeito com a encantadora capacidade de tratar realidade e ficção com a mesma seriedade – ou leviandade.

É da interação entre Crick e Hilbert, e dos arroubos excêntricos de Karen, que surgem as melhores cenas do filme, bem como as passagens que o elevam ao patamar de comédia engraçada (expressão que na história do cinema, infelizmente, não é um pleonasmo). O professor reluta em acreditar que Crick não passa de um esquizofrênico, e as ações de Crick são narradas por uma Karen sociopata, fumante inveterada e sarcástica até o osso. Para enfrentar o bloqueio criativo que a impede de pensar em uma forma de matar Harold Crick, a editora de Karen contrata a assistente Penny (Queen Latifah) que, a bem da verdade, só está no filme para ser alvo do humor ácido de Karen. Um motivo nobre, diga-se.

Apesar destas relações bem-sucedidas, falta química entre Crick e seu par romântico, Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal), uma padeira que deve impostos ao governo. O namoro não convence. A sensualidade e energia dela, ao lado da morosidade e mediocridade dele, é uma junção inexplicável, e é aqui que o roteiro de Zach Helm peca: ao admitir o inverossímil dentro do impossível. A falta de faíscas entre o casal, porém, não chega a comprometer o filme.

O final da história pode não agradar a todos. O desfecho escapa da lógica da ficção para entrar em um plano mais ou menos possível, mais ou menos verossímil e mais ou menos interessante. Como o próprio professor Hilbert comenta a respeito da versão final do livro de Karen:

- É bom.

- Não é ótimo? – pergunta a escritora.

- Não. É bom.

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