8.4.07
Guerra crua e sem dublagem
Luís Felipe dos Santos
A Academia, organização responsável pelo Oscar em todos os anos, não gosta de legendas. Todos os filmes que obrigam o espectador norte-americano a ler e acompanhar as imagens são mal-vistos. Este é um dos motivos plausíveis para o descaso com o filme "Cartas de Iwo Jima" na lista dos premiados do Oscar 2007, ocorrido em março, uma vez que o principal prêmio do cinema mundial destinou à película apenas duas estatuetas, em categorias técnicas. O filme é de Clint Eastwood, a produtora é a Warner Bros., mas o filme é falado em japonês, pois o diretor preferiu a opção artisticamente correta em se tratando de uma película surpreendente humana.
O humanismo presente na história não é surpresa quando vemos que Eastwood também dirigiu "Menina de Ouro" e "Sobre Meninos e Lobos", muito ricos na construção de personagens imperfeitos. A produção de Steven Spielberg dá suporte para Eastwood seguir nessa linha, evitando os eternos clichês de filmes de guerra. "Cartas de Iwo Jima" faz parte de um ousado projeto de Eastwood, retratando duas versões diferentes para um episódio da Segunda Guerra Mundial. O outro filme, "A Conquista da Honra", mostra a versão dos soldados americanos na invasão da ilha japonesa. "Cartas..." é uma história focada nos dias que antecedem a invasão americana na visão dos combatentes japoneses.
A história é centrada em duas personagens, o soldado raso Saigo (Kazunari Ninomiya), um jovem padeiro forçado a abandonar a mulher grávida para servir nas forças imperiais, e o Barão Nishi, interpretado pelo astro nipônico Ken Watanabe (O Último Samurai). Nishi é um campeão olímpico de equitação que ocupa alto posto na hierarquia militar japonesa, tendo sido escalado para lutar em Iwo Jima graças ao conhecimento que tem dos americanos – viveu alguns anos nos Estados Unidos. O recurso dos flashbacks é utilizado para contar a história de vida destas personagens, demonstrando para o espectador a diversidade de experiências dos combatentes da ilha.
Paralela às pequenas biografias, a batalha é contada com a crueza necessária para um filme de guerra. A violência é pura, simples e realista, sem apelações com o objetivo de enojar ou chocar o espectador. A violência é um elemento que faz parte do contexto da batalha, não é um fim em si mesma, ao contrário dos títulos que batem recordes nas bilheterias americanas – tais quais "Apocalypto" e "O Albergue". A descrição minuciosa das impressões e experiências das personagens é cativante, pois não é difícil se identificar com as figuras dramáticas em cena. A intenção é de questionar: o que você faria no lugar de Saigo, vendo o seu batalhão pensar em suicídio por conta de um fracasso iminente?
O filme foi muito bem aceito no Japão, liderando as bilheterias do país. Muito deste sucesso se deve ao extremo respeito com o qual Eastwood tratou a cultura japonesa, mesmo em situações de absoluta anormalidade para os nossos olhos ocidentais. A fotografia, saturada e com cores uniformes, retrata a tristeza de um ambiente onde a morte é figura constante.
Em "Cartas de Iwo Jima", Clint Eastwood consegue representar com alta qualidade a convivência das batalhas individuais no contexto da batalha entre exércitos. Em dado momento, as personagens parecem continuar a lutar por motivos próprios, desvinculados do motivo causador da guerra. "Na realidade nunca há vencedores. É sempre a mesma coisa, o 'sacrifício da juventude', toda essas pessoas mortas na flor da idade", disse Eastwood em entrevista coletiva.
Também não há vencedores no Oscar, quando o prêmio deixa de ir para obras densas e reflexivas.
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