26.4.07
O dia do curinga
Lucilene Cobalchini
Em um baralho encontramos muitas cartas de paus e copas e outras tantas de ouros e espadas, mas apenas um curinga. O curinga é o único que se diferencia de todo o resto, não possui um naipe, nem um número e, na maior parte das vezes, é ignorado pelos jogadores, que não sabem muito bem para que serve ou o que devem fazer com ele.
Mas por que, então, existe o curinga? Essa é a pergunta que o escritor Jostein Gaarder, famoso pelo livro O Mundo de Sofia, propôs-se a responder em O Dia do Curinga, de 1995. Nada é tão misterioso quanto a vida e, de todos que nascem e morrem, apenas alguns estão conscientes de que não é nada óbvio viver. O livro de Gaarder, mesmo após mais de dez anos de lançamento e já em sua 23ª edição no Brasil, continua atualizado e mostrando como assuntos sérios e existencialistas podem ser tratados de forma lúdica, como que em um conto de fadas moderno.
O garoto Hans-Thomas, de doze anos, parte de sua terra natal, a pequena cidade de Arendal, na Noruega, para a Grécia. Na terra dos filósofos, ele e seu pai esperam encontrar Anita, a mãe que o abandonou oito anos antes para partir “em busca de si mesma”. O pai de Hans, um ex-marinheiro ansioso para ver o mar da Grécia novamente, também é filósofo amador e possui a estranha mania de colecionar curingas de baralhos. Durante a viagem, ele procura introduzir seu filho na incrível ciência de conhecer a si mesmo através da filosofia e, mesmo sem saber, é ajudado em sua tarefa por um livrinho, minúsculo e misterioso, encontrado por Hans-Thomas. O livrinho leva o menino para uma viagem paralela, onde cartas de baralho ganham vida em uma ilha mágica e mostram muito dos mistérios da existência e do mundo.
Partindo do pressuposto de que somos como as cartas de um baralho, pertencemos a um grupo delimitado, atendemos a certos estereótipos para não sermos ignorados dentro da sociedade, o autor mostra, por meio de analogias com o personagem do Curinga, como o conhecimento é importante para alcançarmos a singularidade, ou seja, o conhecimento de si mesmo. O livro é uma pequena introdução à filosofia, com um estilo literário leve e divertido, interessante tanto para jovens como para adultos.
O Dia do Curinga é dividido em 53 capítulos, um para cada carta do baralho, incluindo o Curinga. A narrativa em primeira pessoa, feita por Hans-Thomas já em idade adulta, alterna com a narrativa do livrinho misterioso encontrado por ele, traçando incríveis paralelos entre as duas e misturando realidade e ficção. Lembra, por vezes, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, por seus mundos paralelos e charadas existenciais. Desprender-se do cárcere da consciência e ultrapassar os limites que o mundo nos impõe, palpar o impalpável, a descoberta do que é criatura e do que é criador são apenas algumas das questões levantadas pelo livro ao longo de suas 378 páginas.
“Apenas o Curinga do jogo não se deixa iludir”, diz o autor. Curingas são raros em qualquer baralho, mas sempre existe um para manter viva a esperança e procurar a verdade dentro de si mesmo. O Dia do Curinga (Companhia das Letras, tradução de João Azenha Jr., R$ 35,00) é muito mais que um livrinho para folhear e passar bons momentos em uma tarde monótona ou para fazer o tempo passar mais rápido em uma longa viagem, e, muito menos, um livro infantil (como é classificado nas livrarias). Ele é uma busca incessante por perguntas e respostas, sobre a existência e sobre si mesmo, antes de tudo.
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Um comentário:
melhor livro que eu já li na minha vida!
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